Queimadas de inverno
O inverno é a estação das queimadas no Brasil. Vários fatores, lógicos ou não, contribuem para que elas possam ocorrer. A seca destaca por si só entre as causas naturais. Todavia, os motivos que mais têm relevância nessa questão são a cultura e a educação do povo brasileiro, além de uma disposição mental para o crime que lateja no íntimo de não pouca gente deste país. Segundo a tradição, as queimadas de inverno são perfeitamente naturais. São necessárias para assegurar melhores condições de vida para todos. A educação, por seu turno, mal encaminhada pelo Estado, não consegue substituir esse velho paradigma por um outro que coadune com as leituras do presente século. E o crime, apesar de todos dizerem que “não compensa”, continua queimando e destruindo a vegetação. Assim sendo, em todos os anos, apesar de ser novela reprisada, “Queimadas de Inverno”, sem trazer nada de novo, consegue bater todos os índices de audiência em comparação com as melhores programações exibidas na televisão brasileira.
É sabido que mato verde não pega fogo. Só faz fumaça. Mas quando a relva está seca, a combustão é quase instantânea. Um raio de sol passando por um caco de vidro, uma bituca de cigarro jogada displicentemente pela janela do veículo, uma faísca de algum fogo supervisionado que é levada pelo vento, ou qualquer outra coisa desse gênero, é perfeitamente capaz de iniciar um incêndio com proporções dantescas. Nesse diapasão, sendo a seca um fenômeno cíclico na geografia física deste país, de ocorrência predominante no inverno, quando as folhas das árvores caem e o ar fica cada vez mais seco, não é raro de se ver nesta estação o surgimento de focos naturais de incêndio nas mais diferentes paisagens brasileiras.
Todavia, nem todos os incêndios são naturais. Além dos criminosos, os quais merecem uma consideração à parte, destacam-se no cenário brasileiro os incêndios culturais, muito praticados em Mato Grosso, mas não com a intenção de destruir o ecossistema. Pelo contrário, na sua origem há o desejo de limpar a terra das pragas e ervas daninhas, bem como de insetos e outros animais nocivos ao homem, como cobras, escorpiões e outros “bichos” desse tipo. Isso é cultural. Vem dizer para um sertanejo aqui do interior do Mato Grosso que ele não pode colocar fogo nos seus pastos, na suas “palhadas”, nos seus cerrados... Ele vai te dizer na testa que você pode ser muito entendido de coisas da cidade, mas de roça você não entende nada. Foi assim que ele aprendeu de seus ancestrais e é assim que vem tentando passar para os seus filhos, através do conhecimento popular.
É de ver, inclusive, que o Estado reconhece tradição brasileira das queimadas, autorizando a sua realização supervisionada em determinadas épocas do ano, normalmente no mês de junho, com extensão até meados de julho, não podendo passar disso. O problema é que nem sempre o homem consegue disciplinar esse fogo. Certos fatores, como o vento, por exemplo, seguem suas próprias regras, levando em suas asas as fagulhas incendiárias, as quais se espalham para tudo quanto é lado. E aí é só fumaça, tosse e destruição.
É evidente a necessidade de se quebrar o paradigma das queimadas de inverno, substituindo-o por um outro que melhor sirva aos interesses difusos, assim entendidos como “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, conforme o disposto no artigo 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/90.
Por outro lado, é de reconhecer que a doutrinação para as mudanças de paradigmas é tarefa de alçada da educação, a qual é direito de todos e dever do Estado, da família e de toda a sociedade. Assim dispõe o art. 205 da Constituição Federal do Brasil. O problema é que na teoria tudo é muito bonito, mas na prática, não tem nada mais horrível do que isso. Nem os próprios educadores conseguem fazer as lições de casa. Quanto mais os alunos.
Gogó e garganta qualquer pessoa tem. O Brasil precisa de exemplos. A educação de verdade é feita por meio de comportamentos positivos, atitudes apreciadas e não simplesmente através de palavras. Nós, professores, no geral, todos somos bons de discursos, mas não conseguimos realizar vivências e experiências significativas. Respeitadas as exceções, em nossa grande maioria, atuamos apenas para atingir o direito primário de viver. A educação é o nosso meio de subsistência. Ainda não consegue ser o nosso ideal de vida. Nesse sentido, faço o meu ato de contrição: também sou culpado dessa situação, porque não consigo fazer alguma coisa eficiente para mudá-la.
Eu gostaria de ver a minha categoria trajando a farda do exército educacional, preocupada em defender teses significativas, que já tenham sido testadas, experimentadas, vivenciadas e comprovadas como capazes de promover a mudança cultural e a adequação social aos novos tempos. Eu não gostaria de continuar vendo e participando com os meus colegas, dessas constantes brigas contra o Estado, para recebermos as migalhas com as quais nos alimentamos.
E para finalizar, não adianta dizer que tem de ser diferente. “Saco vazio não para em pé”. A preocupação primeira de todo homem é a sua subsistência. Todos nós faremos qualquer coisa para que possamos permanecer vivos, até mesmo matar e roubar, se for necessário. Graças a Deus, a maioria ainda não chegou a esse ponto crítico, mas estamos no caminho. Nesse sentido, enquanto a educação for conduzida a conta-gotas, os resultados também serão do tipo amostra-grátis. Discursos contrários serão meros discursos. Se os agentes da mudança não forem valorizados para que de fato sejam os modelos e espelhos desejados, obviamente as mudanças não poderão ter outros reflexos.
Assim sendo, enquanto muitos discursam nos palanques que se improvisam em todas as esquinas para apontar os culpados, a educação vai falhando no seu compromisso de promover a atualização dos paradigmas e o Brasil vai se desintegrando, sendo sufocado pela fumaça e consumido pelo fogo de suas constantes queimadas de inverno.
Essa é a lição de casa. Esperamos que o inverno sem perspectivas passe rápido e que logo cheguem as flores da primavera.
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Izaias Resplandes de Sousa é professor de Matemática da Rede Pública Estadual, pedagogo e acadêmico de Direito da UNIC de Primavera do Leste.
Textos bíblicos correlatos:
1) É dever de todos cuidar do planeta. Ele é o jardim que Deus plantou para todos nós. Gn 2:8-15;
2) Devemos lutar para manter o mundo verde, porque seco, somente servirá para ser queimado e alimentar o fogo. Mt 6:30; Jo 15:6.
3) A vida se repetirá de estação em estação se não fizermos nada. Gn 8:22; Ct 2:11.
4) Esse mundo está seguindo o seu destino, ao ser consumido pelo fogo. 2 Pe 3:5-7.
5) Os homens erram porque não conhecem a Palavra de Deus. Mt 22:29.
6) Devemos estudar a Bíblia e aprender a fazer as coisas da maneira que Deus deseja que sejam feitas. Jo 5:39; 2 Tm 3:16-17.
Prof Izaias Resplandes
Enviado por Prof Izaias Resplandes em 07/09/2008