Sociologia agrícola
Esclarecimento:
Sociologia Agrícola e Rural
O artigo está dividido em duas partes. Esta, intitulada Sociologia agrícola e a segunda, com o título de Sociologia Rural.
Izaias Resplandes
A tarefa não é contemplar o que ninguém ainda contemplou, mas meditar, como ninguém ainda meditou, sobre o que todo mundo tem diante dos olhos" (Schopenhauer apud LAKATOS et al.)
INTRODUÇÃO. A Sociologia Geral é a ciência que tem por objeto o estudo do homem em sociedade, realizado de forma global e unitária. Sem embrenhar-se no campo das particularidades de cada tipo de relação por ele desenvolvida quando em situações relacionais com outros indivíduos ou grupos, realiza um estudo geral e analítico do conjunto dessas relações. Em seu mister enquanto ciência, segue os rigores dos métodos científicos, tanto na forma dedutiva, para as análises de caráter mais amplo quanto na forma indutiva, quando sua atuação parte de situações particulares que devam ser generalizadas. (Cf. LAKATOS & MARCONI, 1999: 25; MARTINS, 2003:8).
Os aspectos particulares inerentes às especificidades dos diversos fatos sociais, ou das diversas espécies de relações que o homem desenvolve em sociedade constituem-se, por seu turno, de acordo com a classificação de Fernando de Azevedo, no objeto da Sociologia Especial, a qual se subdivide em diversas áreas, dentre as quais se encontram tanto a Sociologia Agrícola, quanto a Sociologia Rural – componentes do escopo deste trabalho (AZEVEDO apud LAKATOS & MARCONI, 1999:28).
A presente abordagem não tem a pretensão de esgotar o conteúdo programático ora investigado. Objetiva-se fazer uma breve "Introdução à Sociologia Especial Agrícola e Rural", oferecendo um enfoque especial sobre a atuação das mesmas no território brasileiro, com o fim de proporcionar o conhecimento necessário, para que se possa dar uma solução aos problemas e conflitos sociais, decorrentes das relações humanas, nas paisagens agrícolas e rurais deste país.
Armstrong, ao pisar na Lua em 20 de julho de 1969, declarou: "Esse é um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade". Aquele fato marcou o início definitivo das viagens e das pesquisas espaciais. Naquele dia começava-se a exploração da Lua; hoje, Marte é a nova fronteira da exploração científica; amanhã, o espaço infinito será a fronteira final. Por nosso turno, embora de forma mais modesta, não temos propósitos menores. Esperamos, também, que nossa breve pesquisa bibliográfica, embora pequena, mas não desprovida de mérito e tampouco feita sem o rigor científico, venha se tornar uma importante contribuição para incentivar a pesquisa de campo, o estudo de casos e o aprofundamento da temática, numa postura de compreensão da realidade, para o desencadeamento de ações que visem superá-la.
1 - Sociologia Agrícola
1. 1. Antecedentes históricos, objeto geral e método. Desde o aparecimento do homem, há aproximadamente 3,5 milhões de anos a.C. (ABRIL, 1997:667), até o advento da revolução industrial européia (sec. XVII), segundo o pensamento científico dominante, não se verificaram mudanças no comportamento da sociedade que justificassem o aparecimento de uma ciência geral para estudar o homem em suas relações coletivas e individuais. Tais questões, ora foram absorvidas por uma, ora por outra das diversas áreas do conhecimento já contextualizadas.
Todavia, ao buscarmos os precedentes para a constituição do objeto de estudo da Sociologia Agrícola, necessitamos fazer uma regressão no tempo até os primórdios da gênese humana. É evidente que desde o seu surgimento, o homem teve que se preocupar, de uma forma ou de outra, com o provimento dos alimentos necessários à sua subsistência, desenvolvendo relações entre si e com o meio ambiente para produzi-los.
A atividade agrícola, como modo de produção, certamente foi uma grande descoberta que trouxe a solução para muitos séculos de existência humana. Todavia, ainda hoje, mesmo com toda a apropriação tecnológica, o homem não foi capaz de resolver o seu problema crucial de subsistência, caracterizado pela necessidade de alimentos. Apesar disso, ele tem sido muito bem sucedido no que diz respeito ao ato de cavar fossos abissais no que tange aos fatos sociais de natureza agrícola. No afã de produzir para atender à demanda mundial, os produtores agem apenas movidos pelo interesse econômico, não levando em consideração os dramas sociais que se desenvolvem no seu entorno, onde, por exemplo, pequenos proprietários são sufocados e não conseguem competir em qualidade os com mega-latifundiários. Enquanto esses agregam a cada dia um maior valor aos seus produtos, colocando-os no mercado mundial, muitas vezes às suas próprias expensas, aqueles outros sequer conseguem levar a sua produção para ser ofertada nas feiras livres das cidades mais próximas. Em muitos casos, apenas as sobras que o grande produtor abandona na lavoura, são maiores do que a produção total do pequeno. Como competir em uma situação dessas?
Questões como essa, são algumas das inúmeras que se despontam no cenário agrícola contemporâneo e que requerem soluções urgentes por parte da Sociologia Agrícola e suas afins. Se por um lado o mundo precisa de alimentos, por outro, também precisa de paz no campo. O que fazer para conciliar tais objetivos é algo que precisa ser descoberto. A solução do matemático é drástica. Segundo a Sample Soluções:
"Malthus é conhecido pela formulação a respeito do futuro da humanidade. Uma vez que a população cresce em progressão geométrica e a produção de alimentos cresce em progressão aritmética, segundo Malthus, a tendência é a fome, criando barreiras ao crescimento populacional. Segundo ele, seria preciso adotar medidas positivas e preventivas, como o controle de fertilidade, embora acreditasse que a guerra e outras catástrofes atuavam de forma mais contundente para a redução populacional. Segundo os críticos posteriores, Malthus não levou em conta a influência da evolução tecnológica na produção agrícola" (SOLUÇÕES, 2004).
As idéias do matemático são um tanto fora de propósito. Certamente a solução não consiste no sacrifício capital das populações. Não há dúvidas que se precisa produzir e produzir cada vez mais. Mas, em hipótese alguma, essa produção deve se realizar à custa do sofrimento e da miséria da maioria. Produzir, sim, mas fundamentado nos valores superiores da ética, visando a justiça, a harmonia e a paz social.
Outro ponto fundamental a ser considerado nessas preliminares é a tentativa de minimizar os problemas sociais e suas soluções. Resolvê-los não é trabalho de bombeiro. Não se trata de apenas apagar focos isolados de incêndio, mas de se descobrir o que está ocasionando os mesmos. Não se pode querer compreender o objeto de estudo dessa disciplina, partindo da análise isolada de problemas relacionais que surgiram nos últimos séculos, ou em um determinado país ou região. "O concreto é a síntese das múltiplas determinações" (MARX apud PRETI, 1992:65). Os problemas sociais de nossos dias, como o desemprego no campo em decorrência de sua tecnologização; o paradoxo da fome e da superprodução de alimentos em países como o Brasil; o vai-e-vem do êxodo rural e urbano em busca de melhorias de vida; até mesmo os grandes problemas urbanos e ambientais, entre tantos outros, não podem ser compreendidos de forma isolada do contexto histórico-sócio-econômico. A esse respeito, é importante a lição do professor e doutor do Direito Miguel Reale, quando, em sua Teoria Tridimensional do Direito diz que não se pode querer entender o fático, dissociado do axiomático e do valorativo, ou seja, o fato social deve ser compreendido através de suas interações com os aspectos jurídicos e filosóficos (REALE, 1994: 65).
É notório que os homens sempre estiveram em comunhão no decurso dos tempos, transmitindo pelas gerações os seus inúmeros problemas e as poucas soluções que foram encontradas para alguns deles, repassando aos seus sucessores, não somente as glórias, mas também as responsabilidades pela descoberta de novas alternativas para a sobrevivência da humanidade.
O que está acontecendo em Alto Coité, município de Poxoréo, MT, bem como "o que está acontecendo em Gopalpur, na Índia, ou em Alcalá de la Sierra, na Espanha, não pode ser explicado nos termos de cada uma dessas vilas isoladamente; a explicação implica também considerações que incluem tanto forças externas que atuam sobre essas vilas como as reações de seus componentes àquelas forças" (WOLF, 1976: 13).
É nessa mesma linha que se desenvolve o pensamento de Alvin Toffler, em seu "A terceira onda", quando diz:
"muitas das mudanças da atualidade não são independentes umas das outras. Nem são fortuitas. Por exemplo, o colapso da família nuclear, a crise global da energia, o advento do tempo flexível e o novo pacote de vantagens adicionais, o aparecimento dos movimentos separatistas do Quebec e da Córsega, tudo isso parecem eventos isolados. A verdade, entretanto, é o inverso. Esses e muitos outros eventos ou tendências aparentemente desconexos estão inter-relacionados. Com efeito, estas coisas são partes de um fenômeno muito maior: a morte do industrialismo e o advento de nova civilização" (TOFFLER, 1997:16).
Nesse sentido, cabe à Ciência Sociológica Agrícola dos tempos modernos, apropriar-se dessas preocupações, no que for decorrente das atividades agrícolas, como a sua área particular de atuação, procurando, através dos mesmos métodos científicos da Sociologia Geral, dar-lhes uma solução particularizada que contribua para a melhoria dos relacionamentos humanos delas decorrentes, assumindo uma postura de comprometimento com a transformação da realidade desigual e injusta que o mundo globalizado desfralda como a gloriosa bandeira do "laissez-faire, laissez-passer".
1.2. A origem e evolução dos agricultores. A descoberta da agricultura, como a arte de cultivar a terra, teria se dado na pré-história mesolítica – período de transição entre o Paleolítico e o Neolítico, estendendo-se de 10.000 a 8.000 a.C. (ABRIL, 1997:668). Marca o início da "primeira onda de mudança, o primeiro ponto decisivo do desenvolvimento social humano" (TOFFLER, 1997:23; 27). Naquele momento, o homem estabelecia novos padrões de relacionamento. Deixaria de disputar com seus semelhantes, os frutos de cada estação que a natureza lhe dava nas mais diferentes paisagens do planeta, dos quais todos deviam correr atrás, sob pena de sucumbirem à fome. Então ele se sedentariza e passa a plantar as sementes e colher o seu próprio alimento. Todavia, os conflitos e as disputas não cessariam ali. Além de plantar, o homem teria que defender a sua plantação do ataque de outros homens e de animais. Teria que conhecer os fatos da natureza e também se proteger deles. Foi uma época de muitas mudanças que se seguiu nos séculos posteriores, passando pelas diversas fases do desenvolvimento humano: pelo Neolítico, Idade Antiga, Idade Média, chegando até ao fim Idade Moderna, nunca escala de poucas alternâncias.
O mundo, por milhares de anos, foi eminentemente agrícola e as relações que nele se desenvolviam, advinham, em sua grande maioria, das interações com os agricultores. Em decorrência dessa revolução, surgiu na terra um novo modo de vida para o ser humano.
Evidentemente, nem toda evolução traz apenas benefícios. A Antiguidade Clássica, foi marcada pelo Império Romano, um dos maiores domínios já registrados na história da humanidade. A sociedade romana era escravocrata. Muito belicosos, os romanos faziam a guerra para conquistar, entre outros objetivos, escravos para alimentar o seu sistema produtivo primário. Os escravos, supervisionados por servos livres (espécie de arrendatários), eram os agricultores. As zonas produtivas, em princípio, situavam-se no entorno das cidades, onde viviam seus proprietários, de forma a facilitar o abastecimento. Toda a produção que excedesse ao consumo dos proprietários era levada ao mercado da cidade, onde era trocada pelos produtos feitos pelos artesãos e por produtos de alto valor que chegavam ali através do mar.
Apesar dos romanos terem desenvolvido um sistema viário bastante estruturado, o qual cortava o Império, isso não incentivava os proprietários de terras a plantarem para a comercialização em outras regiões, posto que a demora das viagens acarretaria a deterioração dos produtos. Além do mais, aquelas estradas não tinham a finalidade de proporcionar o escoamento da produção agrícola. Antes, voltavam-se para o tráfego de soldados. Dessa forma, não havia nenhuma vantagem em se ter uma propriedade produtiva às margens das estradas, pois a produção seria esbulhada pela soldadesca romana.
A partir das novas conquistas e da ampliação do Império, a agricultura foi se interiorizando, visando o atendimento das novas cidades, sempre seguindo a mesma estrutura fundiária: proprietários, servos livres (arrendatários) e escravos. Todavia, por volta do século V, o Império Romano foi entrando em decadência. Os exércitos romanos, que até então somente aceitavam patrícios em suas fileiras, a fim de garantir o patriotismo, e a lealdade ao Império, começaram a aceitar que os povos conquistados também se tornassem soldados. Perdia-se, com isso a identidade dos exércitos, cujos soldados se tornavam mercenários. De igual forma, o sistema produtivo também deixou de ser realimentado com novos escravos, diminuindo a produção. A segurança das cidades romanas ficou ameaçada, facilitando os ataques dos saqueadores. Também começou a faltar alimento para abastecê-las. Diante desse quadro, os comandantes militares, que na verdade eram os proprietários de terras, reunindo os artesãos das mais diversas especialidades, decidiram retornar às suas propriedades, cercando-as e protegendo-as com exércitos particulares. O imperador ainda tentou pressionar os comandantes para que permanecessem nas cidades, mas não obteve sucesso. Assim, enquanto Roma caía (476 a.C.), a ex-sociedade imperial ruralizava-se em um sistema que se evoluiria e se transformaria naquilo que, séculos mais tarde, seria conhecido como sociedade feudal ou feudalismo. Nesse sistema, cada unidade era autárquica, bastando-se em si mesma. Tudo o que se necessitava no feudo era ali produzido.
"A palavra feudo tem sua raiz no baixo latim feudum: posse, propriedade ou domínio e, ao que parece, foi usada pela primeira vez no século XIV. Já a palavra feudalismo só viria a ser usada no século XIX. Admite-se que a sociedade feudal originou-se na França setentrional, entre os séculos IX e X, com o declínio da monarquia carolíngia. Já na Inglaterra, apareceu em 1066, com a conquista normanda. O feudalismo chegou ao apogeu no século XIII e entrou em crise no século XIV" (MARCELLIN, 1997:177).
Na sociedade agrícola feudal, os escravos passaram a ter a opção de serem servos, podendo trabalhar nas áreas dominiais do feudo e produzir o necessário para sua subsistência. Nessas condições, deveriam pagar tributos ao senhor, ou seja, a talha,que consistia na entrega de parte da produção ao senhor (cereais, vinho e pequenos animais). Os pequenos proprietários também se juntaram aos senhores feudais, entregando-lhes suas terras e tornando-se seus servos livres, trabalhando nas mesmas condições, em troca de segurança. Essas propriedades eram chamadas de dominiais, porque estavam sob o domínio do senhor feudal. Além disso, todos os servos, sejam livres, sejam libertados, deveriam colaborar com a segurança do feudo e prestar serviços gratuitos, durante três dias da semana, na propriedade privada do senhor feudal (a corvéia). Esse era o preço que pagavam pela proteção. Dessa forma, viviam sob uma carga de trabalho tão intensa a serviço do feudo que, basicamente não lhes sobrava tempo para trabalhar para si próprios.
A servidão nos feudos talvez tenha sido pior do que escravidão que a antecedeu.
"(...) foi nas últimas décadas do século IX, quando bandos vikings e magiares assolavam o continente da Europa Ocidental que o termo feudum entrou em uso. Foi então, também, que toda a França, particularmente, ficou cheia de castelos e fortificações privadas, erguidas por senhores rurais, sem permissão imperial, para resistir aos novos ataques dos bárbaros e consolidar o seu poder local. Essa paisagem cheia de castelos era, ao mesmo tempo, uma proteção e uma prisão para a população rural. Os camponeses, já vítimas de uma sujeição progressista, agora eram levados a uma servidão generalizada" (ANDERSON, Perry apud MARCELLIN, 1997:177).
A forma de trabalho, distribuição e exploração da terra durante a Idade Média foram organizadas em um sistema de rotação trienal de produção, cuja característica principal era assegurar a subsistência de todos os habitantes dos feudos.
"As terras de uma comunidade eram divididas em três folhas ou campos, ao redor da aldeia, com suas casas e culturas de quintal. Numa dessas folhas, os camponeses faziam uma lavoura de inverno, geralmente de trigo ou centeio semeado no outono, à qual sucedia uma lavoura de verão, que podia ser de cevada, aveia ou leguminosas. No terceiro ano, aquela folha era deixada em descanso, convertendo em pasto para o gado comunal" (BARSA, 2001:151a).
Tudo era feito em conjunto, objetivando o desenvolvimento de hábitos comunitários, embora associados à propriedade privada do solo.
"Cada família camponesa possuía em cada folha uma parcela, de forma alongada e sem cercas, visto que na mesma folha todos os terrenos eram arados em conjunto. Além das folhas se estendia uma faixa de pasto comum e permanente, em que o gado de todos os habitantes da aldeia ia pastar. Mais longe ainda estava localizada a floresta comunal, onde os camponeses se abasteciam de lenha e caça." (BARSA, 2001:151a).
O modo de organização feudal garantiu a sobrevivência do Império Bizantino por mil anos, tendo o mesmo caído apenas em 1453, quando Maomé II invadiu e conquistou Constantinopla. Durou toda a Idade Média.
"Dois momentos sociais de grande peso histórico afetaram profundamente, na Idade Média, a agricultura européia: nos séculos XII e XIII, o surto demográfico que se espalhou pelo continente, provocando uma febre de urbanização e a conseqüente derrubada de novos trechos de mata; no século XIV, as epidemias de peste que dizimaram a população, gerando escassez de mão-de-obra no campo e uma retração ponderável do mercado agrícola. Todos esses fatores se uniram para levar a uma fase de crise na agricultura, com o abandono ou a perda de muitas terras produtivas" (BARSA, 2001:151).
As crises que culminaram com a derrocada do Império Romano do Oriente, somente são superadas no século XV, em um contexto marcado pela expansão marítima e comercial, organizada pelas monarquias nacionais em aliança com a burguesia, e que conduziram à descoberta de novas terras, ao estabelecimento de colônias, o fortalecimento dos estados nacionais e da monarquia e exploração cada vez mais acirrada do campesinato, subjugado com alta tributação, tanto por parte do Estado, como por parte da Igreja. É nesse contexto que o Brasil, enquanto colônia portuguesa, surge no início do século XVI.
1.3. A formação agrícola do Brasil. Os índios brasileiros da época do descobrimento não eram de todo nômades, sendo que já praticavam o cultivo de alguns produtos como a mandioca, o milho, o fumo e o amendoim.
"Auguste de Saint-Hilaire acreditava que os colonizadores europeus tinham aprendido agricultura com os índios, e é certo que alguns de seus métodos foram mantidos pela tradição dos caboclos. Foi essa que deu continuidade, em toda a extensão do território, ao sistema de roças de subsistência, que permaneceu quase inalterado, enquanto a agricultura de procedência européia se implantava e sofria alterações enormes" (BARSA, 2001:156).
A condição de colônia colocava o Brasil como um dos potenciais fornecedores de riquezas para Portugal. Tudo o que era feito aqui, tinha o objetivo de fortalecer o Estado ibérico português. O ciclo da cana-de-açúcar, por exemplo, teve um crescimento vertiginoso, sendo o responsável pela instalação de 256 engenhos concentrados na produção de açúcar, no intervalo de aproximadamente 50 anos (1534-1584), quando o país ainda não possuía um milhão de habitantes. A base de todo esse sistema produtivo, além do clima favorável e da excelente qualidade das terras brasileiras, foi a mão-de-obra abundante, proporcionada pelo escravismo indígena e africano.
"No fim do século XVIII, havia na colônia, cuidando basicamente das lavouras – em mãos de apenas cem mil brancos –, 175.000 africanos e 25.000 índios escravizados. Graças à conjunção desses fatores, a cana-de-açúcar, pôde ser, a certa altura, a maior exploração tropical do mundo, bem semelhante ao que mais tarde iria ter o café, sob o Brasil independente, ou a soja, no final do século XX" (BARSA, 2001:156b).
O ciclo do café não foi diferente do ciclo da cana. Estruturando-se, igualmente, sob a base latifundiária, foi ainda mais avassalador do ponto de vista social, na medida em que dependeu de contingentes ainda maiores de trabalho escravo. Introduziu-se no Brasil em 1730, através da Amazônia, passando ao Maranhão e migrando-se rumo ao sul desde os fins do século XVIII, conquistando áreas cada vez maiores do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.
1.4. Principais problemas sociais do Brasil. A fim de contextualizar e dar uma maior praticidade à investigação ora desenvolvida, serão analisados, na continuidade, algumas das principais conseqüências das relações sociais que se dão no meio agrícola brasileiro, como: a escravidão, a imigração, o desemprego em decorrência da tecnologização e industrialização; e, o financiamento da produção.
1.4.1. A escravidão no Brasil. A sociedade do Brasil Colonial e Imperial foi predominantemente escravocrata, tratando os aborígines brasileiros e africanos como animais, força de tração privada. Caçados nas matas brasileiras como animais selvagens, ou traficados do continente africano, esses seres humanos – que inicialmente a bel do interesse econômico e em detrimento dos valores éticos, morais e religiosos – , eram vendidos livremente como qualquer objeto, nas praças, ruas e portos do país, enriquecendo tanto aqueles que os vendiam, como aqueles que os compravam, pois como animais, dependiam apenas da ração alimentar e de pequenos cuidados para que se mantivessem em condições de trabalhar o máximo de tempo possível, fosse nos canaviais, fosse nos cafezais ou em qualquer outra atividade econômica.
A função principal dos escravos era a de atuar como mão-de-obra nas plantações de cana-de-açúcar e café, mas os portugueses e seus descendentes brasileiros (os brancos), também abusaram da sua condição de proprietário, forçando relacionamentos sexuais com os escravos. Dessa mistura resultou o surgimento de novas etnias, como os caboclos – mistura de branco com índio – e os mulatos – mistura de branco com negro. Esse foi mais um dos legados sociais que a agricultura gerou em nossa história. Como conseqüência disso,
"em 1800, cerca de dois terços da população do país – 3 milhões de habitantes – são formados por negros e mulatos, escravos ou libertos. Apesar dessa interação, a escravidão mantém-se como condição social inferior, perpétua e hereditária, regulada pela lei de alforria – concessão da liberdade pelo proprietário, mediante indenização" (ABRIL, 1997:338).
Não se pense que os negros aceitaram passivamente a escravidão. Eles lutaram e muitos morreram para se libertar do jugo opressor. Outros foram torturados nos troncos sob os açoites e chibatadas dos feitores e senhores de engenho. Alguns fugiram e construíram focos de resistência na luta contra os brancos, centrados nos quilombos, tornando-se quilombolas.
"Entre as várias formas que os negros tinham para lutar contra o sistema de opressão, uma das mais significativas foi a formação de quilombos. Os quilombos eram lugares de resistência negra. As pessoas que moravam nos quilombos se chamavam quilombolas. Os quilombos eram um sistema comunitário de vida na floresta pra onde iam os negros que conseguiam fugir da escravidão. Às vezes eram cinco, seis casas apenas. Outras vezes chegavam a formar verdadeiras cidades. Estes quilombos eram sempre perseguidos pelos exércitos dos fazendeiros. Quando podiam, destruíam e matavam os negros e os recapturados eram levados de volta pra os engenhos, onde eram duramente castigados e marcados" (COMISSÃO apud OLIVEIRA, 2002:15-16).
Dentre todos os quilombos, o que mais se destacou foi Palmares, em Alagoas. Sua resistência durou cem anos, destacando-se a liderança de Zambi, Ganga Zumba e Zumbi. Tinha por objetivo defender-se dos ataques dos fazendeiros e assegurar a posse coletiva da propriedade. Os quilombos"representavam a única possibilidade, fora da morte, para fugir da escravidão e tentar estabelecer uma comunidade negra, autônoma e livre no meio da floresta" (COMISSÃO apud OLIVEIRA, 2002:16). Palmares foi destruído pelo bandeirante, jagunço, pistoleiro e capitão-do-mato Domingos Jorge Velho e seus capangas.
A luta não cessou com a destruição de Palmares. Os negros continuaram a fugir das senzalas e a engrossar as fileiras da resistência.
"Na segunda metade do século XIX, cresce o movimento abolicionista no país, com a participação de brancos, negros, mulatos, escravos e libertos. Quando a escravidão é extinta, em 1888, permanece sua herança na sociedade brasileira na forma de discriminação racial, social e econômica dos negros e mulatos" (ABRIL, 1997:338b).
1.4.2. A imigração. Com a cessação do tráfico de escravos em 1850 e, com a extinção legal da prática em 1888, a agricultura ficou maneta. Como conseqüência desse fato social, o governo passou a estimular a fixação de imigrantes europeus no campo. Tal fato veio a caracterizar a diversificação da agricultura brasileira no século XX. A prática da monocultura latifundiária da cana-de-açúcar e do café foi rompida e novos cultivos foram implantados no país como o trigo, aveia, cevada, centeio, alfafa e plantas frutíferas como maçã, pêra, marmelo, pêssego, iniciando no sul do país com os imigrantes alemães e italianos e, posteriormente irradiando-se para o todo o interior.
"As maiores ondas imigratórias foram patrocinadas pelo governo, com o objetivo de trazer para o país trabalhadores aptos a substituir os escravos na agricultura. O movimento cresce a partir das décadas de 1870 e 1880 e se estende até meados do século XX. Deságua no país cerca de 4 milhões de trabalhadores europeus e japoneses. Em sua bagagem, os europeus trazem para o país as idéias anarquistas e socialistas, que são importantes para a organização e desenvolvimento do movimento operário brasileiro" (ABRIL, 1997:455).
Até a Proclamação da República, em 1889, mais de 1,5 milhão de imigrantes chegaram ao Brasil, sendo a maioria destinada às plantações de café do Sudeste; muitos, todavia, foram colonizar o sul do país. A descendência desses sulistas, viria ser a grande responsável no final do século XX e início deste século, pela colonização e agriculturização do cerrado brasileiro, a exemplo do que aconteceu em Primavera do Leste, MT, durante os anos 1980 e seguintes, tornando nosso Estado em um dos maiores produtores agrícolas do Brasil mas, também, um campeão de problemas sociais.
Em que pese bastante na balança e aumente significativamente o custo social para a maioria do povo brasileiro, a agricultura foi a responsável pela colocação do Brasil no cenário mundial.
"Ao encerrar seu quinto século de existência, o Brasil, que de início exportava papagaios e araras, junto com a árvore que lhe deu o nome, tinha uma agricultura dinâmica e altamente diversificada, que o situava como um grande celeiro. Em vez de coisas exóticas, exportava alimentos para o mundo, principalmente soja, café, laranja, cacau, amendoim, e outros produtos valiosos da terra, como o algodão e o açúcar" (BARSA, 2001:157a).
Parafraseando Luís Sabóia Ribeiro (1959), em seu livro Caçadores de diamantes, quando afirmava que o povoamento do oeste brasileiro era um legado que o Brasil devia aos garimpeiros, pode-se afirmar que a incrementação da agricultura brasileira, bem como a sua posição atual, tanto no que diz respeito aos aspectos positivos, quanto aos aspectos negativos, é devida em grande parte à ousadia dos imigrantes europeus e asiáticos que vieram para cá ao longo de nossa história.
1.4.2.1 – As lutas dos colonos nas fazendas de café. A questão das greves é mais um problema das cidades do que da agricultura. Mas não é exclusivo.
"Em 1913, o jornal em língua italiana Fanfulla havia registrado várias dúzias de greves. Entre 1913 e 1930, o Patronato Agrícola (uma agência estatal fundada em 1911 para mediar nos conflitos entre fazendeiros e trabalhadores), bem como a imprensa dos trabalhadores, citam mais de cem greves nas fazendas de café. Embora a maioria dessas greves se limitasse a uma única fazenda, houve um caso em 1911, quando cerca de mil trabalhadores de meia dúzia de fazendas da área de Bragança entraram em greve por vinte dias, e, como resultado conseguiram um ligeiro aumento no pagamento. No ano seguinte, trabalhadores de mais de uma dúzia de fazendas na área de Ribeirão Preto entraram em greve e também conseguiram um pequeno aumento salarial. A maior greve do período ocorreu na mesma área em 1913, mas, embora mobilizasse entre dez mil e quinze mil trabalhadores, terminou em derrota total" (STOLCKE, 1996 apud OLIVEIRA, 2002:17).
1.4.3. O desemprego em decorrência da tecnologização e industrialização. Essa questão é tão antiga quanto o homem. Cada vez que se aperfeiçoava uma prática com a invenção de uma nova técnica, ou de uma máquina, isso implicava no desemprego daquele que não estivesse preparado para operá-la. Além do mais, com um invento que aumentasse as possibilidades de incrementar a produção, talvez não se necessitasse de tantos trabalhadores para desempenhar os ofícios, no caso de não haver um aumento na demanda.
"Em torno do ano 1000, a produção ocidental era baixíssima. A fome era uma ameaça concreta. Essa situação mudaria com a chamada Revolução Agrícola, uma série de inovações que contribuíram decisivamente para o aumento da produtividade. A invenção da coalheira (arreio em forma de coleira, que não sufoca os cavalos), a adoção da ferradura, para proteger os cascos dos cavalos, e a utilização de arados de ferro, que sulcavam a terra mais profundamente, foram inovações importantes. (...)Houve ainda a invenção do moinho d’água e do moinho de vento; a secagem dos pântanos e, os arroteamentos" (MOCELLIN, 1997:215).
Nesse sentido, vê-se que a tecnologia foi muito bem aplicada, resolvendo a questão social da época. Não se deve ter tido muito problema de adaptação às novas maquinarias, pelo fato de serem de fácil manejo. Todavia, "graças às novas técnicas de cultivo, a mão-de-obra utilizada na agricultura diminuiu". (MOCELLIN, 1997:216).
Por outro lado, resolvido o problema da fome, surgirá um novo problema social que é o incremento populacional, ou seja, menos pessoas passariam a morrer de fome. Veja-se, a propósito dessa questão, através dos registros de M. K. Bennet e J. C. Russel (apud MOCELLIN, 1997:215), como a população aumentou após a invenção das tecnologias que fizeram a revolução agrícola do ano 1000.
As revoluções não pararam aí. Quanto mais gente, mais necessidades de alimentos e, conseqüentemente, mais necessidade de se inventar formas para acelerar a produção.
Dessa forma, em 1760, inicia-se na Inglaterra, a Revolução Industrial. Tratava-se de um "processo de mudança de uma economia agrária e manual para uma economia dominada pela industria e mecanização da manufatura. Alastra-se pelo mundo, provocando profundas mudanças na sociedade" (ABRIL, 1997:700). Esses acontecimentos marcam aquilo que Toffler chama de "segunda onda de mudança planetária" (TOFFLER, 1997:27), que provou a conquista do poder político pela burguesia, através de uma aliança política desta com os camponeses amargurados e desesperançados com as condições que tinham para praticar a sua agricultura e que não lhes trouxe qualquer benefício, posto que continuaram sendo explorados, espoliados e espezinhados pela nova classe dominante. Foi assim, a partir desse contexto, que se iniciou a sociedade industrial, edificada sobre os escombros da sociedade agrícola feudal.
Segundo Toffler,
"a Segunda Onda, tendo revolucionado a vida da Europa, da América do Norte e de algumas outras partes do globo em uns poucos séculos, continua a se espalhar, pois muitos países, até agora basicamente agrícolas, se apressam a construir siderúrgicas, fábricas de automóveis, fábricas de têxteis, estradas de ferro e fábricas de processamento de comidas. O ímpeto da industrialização ainda continua a se fazer sentir" (TOFFLER, 1997:27).
Enquanto não se estabelecer um controle sobre as dimensões da propriedade e se fazer uma distribuição eqüitativa da terra entre aqueles que efetivamente trabalham, bem como a promoção da qualificação dos trabalhadores para o manejo das novas tecnologias e conhecimentos, a questão do desemprego por conta das dessas questões estará aumentando com toda a certeza. A esse propósito é muito interessante o programa agrário do PcdoB – Partido Comunista do Brasil, onde postulam:
"A nacionalização da terra – meio de produção fundamental – é indispensável à construção da nova sociedade. Entretanto, nesta primeira fase de transição do capitalismo para o socialismo, o PcdoB adota posição intermediária e transitória. Não haverá nacionalização da terra. Far-se-á reforma agrária antilatifundiária que consistirá basicamente em: Fixação de teto máximo para as propriedades rurais, segundo as diferentes regiões do país. Isso permitirá a exploração da propriedade do solo por capitalistas de médio e longo porte; o excedente do teto máximo e as terras devolutas, consideradas de interesse social, constituirão o Fundo Agrário Nacional, utilizado pelo Estado para suprir as necessidades do amplo desenvolvimento das áreas rurais; Apoiado no fundo Agrário, o Estado garantirá o acesso à terra a todos os que nela queiram viver e trabalhar. Dará proteção e ajuda aos pequenos e médios produtores agrícolas. (...)Os assalariados agrícolas que constituem a parte principal da força de trabalho do campo serão organizados em cooperativas de prestação de serviços. Contarão com pleno apoio do Estado para negociar condições de trabalho e salário com os produtores capitalistas. Onde existirem cooperativas desse tipo não será permitida a contratação de trabalhadores rurais avulsos. (...) Criar-se-ão em todo o território agrário escolas e cursos de qualificação de mão-de-obra e de aprendizagem de técnicas modernas" (PcdoB, 2004).
1.4.4. O financiamento da produção. Um dos grandes problemas sociais da agricultura é a questão do financiamento da produção. A burocracia estatal emperra o processo e somente os mais organizados conseguem ter acesso aos recursos. Por conta disso, cada vez mais a produção vai sendo realizada pelos grandes latifúndios, que têm as garantias exigidas, ao passo que os pequenos produtores vão engrossando as fileiras da marginalidade e da pobreza, não conseguindo produzir sequer o suficiente para a sua subsistência.
Recentemente foi criado o Banco da Terra, com o objetivo de solucionar a questão do financiamento. Com ele veio o aval solidário. Os recursos são liberados para cooperativas agrícolas, sendo que todos os membros da mesma são avalistas uns dos outros. Com essa alternativa, muitas comunidades rurais de pequeno porte vêm desenvolvendo seus projetos. Todavia, essa é uma solução ainda em pequena escala e que depende de aperfeiçoamento.
Prof Izaias Resplandes
Enviado por Prof Izaias Resplandes em 14/09/2008
Alterado em 14/09/2008