Deleites e Necessidades
Não há nada pior do que orar, orar e orar a Deus pedindo uma coisa e não obtermos a resposta desejada. A impressão que a gente tem é que Deus não responde às nossas orações, porque não se interessa pela nossa causa.
Seria isso verdade? Há causas que Deus não interessa? Não disse Jesus: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; Lucas 11:9.
O meu orar, orar e orar não é equivalente ao “pedir”, ou ao “batei”?
Por que Deus não responde certas orações? Essa é uma das inquietações dessa reflexão.
Ou será que Ele sempre responde, mas nem sempre da maneira que nós desejamos? Deixar de atender a um pedido é o mesmo que não responder? Dar algo diferente do que foi pedido é responder?
Recordo-me do que Jesus disse sobre bons e maus... Disse Ele:
E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem? Mateus 7:9-11.
Ele compara as nossas ações de homens maus com a ação de Deus....
“Se vós que sois maus sabeis fazer boas dádivas, quanto mais Deus vosso Pai...”
Qual é o pai que o filho pede um peixe e ele dá uma cobra? Essa pergunta de Jesus nos remete a pensar que cada pedido deve ser respondido como foi pedido, ou talvez de forma ainda melhor. O filho que pediu o peixe poderia receber outra comida que não fosse peixe, mas que satisfizesse a sua necessidade de comida.
Vejamos o caso do aleijado na porta do templo chamada Formosa que pediu esmola a Pedro e João. Diz o texto sagrado:
E Pedro e João subiam juntos ao templo à hora da oração, a nona. E era trazido um homem que desde o ventre de sua mãe era coxo, o qual todos os dias punham à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola aos que entravam. O qual, vendo a Pedro e a João que iam entrando no templo, pediu que lhe dessem uma esmola. E Pedro, com João, fitando os olhos nele, disse: Olha para nós. E olhou para eles, esperando receber deles alguma coisa. E disse Pedro: Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda. E, tomando-o pela mão direita, o levantou, e logo os seus pés e artelhos se firmaram. E, saltando ele, pôs-se em pé, e andou, e entrou com eles no templo, andando, e saltando, e louvando a Deus. E todo o povo o viu andar e louvar a Deus. Atos 3:1-9.
Pedro disse que não tinha ouro e nem prata, mas ofereceu-lhe a cura de sua invalidez: o que temos, isso te damos; levanta e anda em nome do Senhor. Com certeza, a cura para aquele homem fora melhor do que a esmola de ouro ou prata... Mas nem todo mundo pensa assim.
Vejamos essa experiência de Paulo e Silas, em Filipos, Macedônia. Diz o texto:
E aconteceu que, indo nós à oração, nos saiu ao encontro uma jovem, que tinha espírito de adivinhação, a qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores. Esta, seguindo a Paulo e a nós, clamava, dizendo: Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo. E isto fez ela por muitos dias. Mas Paulo, perturbado, voltou-se e disse ao espírito: Em nome de Jesus Cristo, te mando que saias dela. E na mesma hora saiu. E, vendo seus senhores que a esperança do seu lucro estava perdida, prenderam Paulo e Silas, e os levaram à praça, à presença dos magistrados. Atos 16:16-19.
Nessa narrativa bíblica, a jovem adivinhadora é curada, mas seus senhores se irritam com essa cura, porque ela dava grandes lucros a eles. Parece que nesse caso, o resultado obtido não foi o desejado. Isso pode acontecer.
Mas voltando à pergunta inicial se existem orações que não são respondidas, a resposta também parece ser sim.
Tiago diz que não temos alguns de nossos pedidos atendidos porque pedimos mal, para satisfazer aos nossos deleites e prazeres. Cf. Tiago 4:3.
Isso nos leva a outra pergunta. Não temos direito ao prazer e ao deleite? Entendo que sim, que temos direito, mas isso não depende de Deus, depende apenas de nós.
A ação de Deus visa a satisfação de nossas necessidades ditas “imposssíveis”, entendendo-se por tais aquelas às quais não temos condições de satisfazer com nossos próprios esforços.
Aplico aqui a tese defendida pelo missionário da UMNT – União Missionária Neotestamentária, Zigomar de Oliveira Silva, em seu livro “Deus não faz o que nós podemos fazer”.
Desse modo, uma das causas que impediria a resposta àqueles insistentes pedidos de oração seria a descaracterização dos mesmos como “necessidades” e seu possível enquadramento como mera satisfação de “deleites”.
Nós podemos ter deleites e às vezes eles até podem nos ser proporcionados pelo próprio Deus. Isso acontece quando o princípio do atendimento divino é uma necessidade. E o deleite ocorre por conta da forma como Deus sempre agiu. Ele é generoso. Sua medida é recalcada, sacudida. Cf. Lucas 6:38.
Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando, vos deitarão no vosso regaço; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo. Lucas 6:38.
Ele nos dá muito mais do que nós realmente necessitamos, mas o princípio de seu atendimento é uma real necessidade.
Vamos lembrar-nos de alguma dessas situações. Por exemplo, o caso da viúva e Eliseu. Diz o texto:
E uma mulher, das mulheres dos filhos dos profetas, clamou a Eliseu, dizendo: Meu marido, teu servo, morreu; e tu sabes que o teu servo temia ao SENHOR; e veio o credor, para levar os meus dois filhos para serem servos. E Eliseu lhe disse: Que te hei de fazer? Dize-me que é o que tens em casa. E ela disse: Tua serva não tem nada em casa, senão uma botija de azeite. Então disse ele: Vai, pede emprestadas, de todos os teus vizinhos, vasilhas vazias, não poucas. Então entra, e fecha a porta sobre ti, e sobre teus filhos, e deita o azeite em todas aquelas vasilhas, e põe à parte a que estiver cheia. Partiu, pois, dele, e fechou a porta sobre si e sobre seus filhos; e eles lhe traziam as vasilhas, e ela as enchia. E sucedeu que, cheias que foram as vasilhas, disse a seu filho: Traze-me ainda uma vasilha. Porém ele lhe disse: Não há mais vasilha alguma. Então o azeite parou. Então veio ela, e o fez saber ao homem de Deus; e disse ele: Vai, vende o azeite, e paga a tua dívida; e tu e teus filhos vivei do resto. 2 Reis 4:1-7.
O milagre do azeite na botija... A mulher não tinha como pagar a dívida deixada pelo marido e corria o risco de ver seus filhos serem vendidos como escravos para pagá-la. Deus lhe proporcionou o milagre do jorrar azeite até que todas as vasilhas que ela tinha conseguido obter fossem cheias. Aquele azeite daria para pagar a dívida, mas ia além da emergência da necessidade. Tendo agora o que comer por muito tempo é possível que aquela mulher deixasse de se preocupar com o trabalho e passasse a viver apenas daquele benefício. É possível! Mas isso não mudaria a atitude de Deus diante de uma pessoa com real necessidade.
Não é porque os olhos de alguém são maus que Deus também tem que ser maus. Cf. Mateus 20:15.
E Deus nos provou o seu grande amor para conosco, dando-nos seu filho Jesus para morrer por nós quando nós ainda éramos pecadores. Cf. Romanos 5:8.
O que Deus vê e atende são os nossos clamores para as nossas necessidades. O deleite decorrente do atendimento faz parte da bênção. É um complemento que prova o amor, a bondade e a generosidade de Deus, mas que não altera a regra de sua dispensação.
Outro exemplo... Na multiplicação dos pães e peixes Jesus proporcionou mais alimento do que o necessário. Depois de todos terem se saciado ainda se ajuntou doze cestos de boa comida. E o povo se deleitou. Comeu com abundância por conta da bênção divina. E sobrou comida! Bênção recalcada, sacudida, transbordante!
E comeram todos, e saciaram-se; e levantaram, do que lhes sobejou, doze alcofas de pedaços. Lucas 9:17.
O deleite faz parte da bênção, mas não é a origem dela. É princípio divino dar com abundância.
“Eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância”. João 10:10. A bênção de Deus não proporciona só uma vidinha limitada de setenta ou mais alguns anos, mas sim a vida eterna, a vida com abundância.
Retornando à pergunta por que alguns pedidos de oração não são atendidos, encontramos outro óbice em Is 59:1-2. Diz o texto:
Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem agravado o seu ouvido, para não poder ouvir. Mas as vossas iniqüidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça. Isaías 59:1-2.
Aqui está um ponto muito importante para esclarecer a falta de resposta às nossas orações. Se houver pecado em nossa vida, antes de pedirmos qualquer outra coisa a Deus devemos nos arrepender de nossos pecados e pedir-lhe de coração que nos perdoe.
É importante observar que a sinceridade deve fazer parte do pedido. Mais uma vez a necessidade será o fator principal que ocasionará a resposta. Quando eu pedir o perdão dos meus pecados, eu tenho que realmente sentir a necessidade desse perdão para poder consertar a minha relação com Deus e não simplesmente pedir o perdão para que possa receber o benefício do pedido seguinte que irá me deixar prazeroso.
Cada um de nós precisa compreender a sua situação de pecador e purificar-se no sangue de Jesus que foi derramado por nossa causa É preciso sentir a necessidade de obter esse perdão divino para os nossos pecados antes de querer qualquer outra coisa de Deus, porque sendo Ele santo, três vezes santo, Ele não pode ter comunhão conosco, vivendo nós em nossos pecados. Pelo que, antes de qualquer outra coisa, nós temos que buscar o perdão divino para nossos pecados. E depois que estivermos em paz nesse sentido, então poderemos buscar sua ajuda para nos atender em nossas demais necessidades, entendendo-se como tais aquelas coisas que nós precisamos, mas não temos condições de obter com nossos próprios esforços. Deus não faz aquilo que nós podemos fazer.
É de ver que Deus nos dá saúde, força, recursos e muito mais elementos para que nós mesmos possamos materializar a maioria de nossas necessidades, sem que Ele tenha que fazer uma manifestação miraculosa.
Ele nos deu todas as coisas criadas na terra para que possamos atender as nossas necessidades de alimento, de vestuário, de moradia, de cura de nossas enfermidades e também de prazer... É de lembrar as mentes mais esquecidas que Deus não apenas plantou no jardim do Éden plantas que serviam para alimento, mas também aquelas que eram agradáveis à vista. Ou seja, além da necessidade, Deus também proporcionava com sua bênção, o deleite e o prazer.
A oração é um instrumento poderoso e devemos usá-la sempre que tivermos necessidades a serem atendidas, mas devemos ter a sabedoria para discernir entre o que seja a necessidade e o que seja um simples deleite. Para aquelas, vamos orar com sinceridade, com fé, crendo que Deus irá nos atender. E seremos atendidos. Para os deleites, vamos trabalhar. Comamos, exercitemos nosso corpo, cuidemos de nossa saúde para que tenhamos a força necessária para produzir as necessidades que estão em nosso alcance. E junto com cada necessidade alcançada, certamente virá o deleite e o prazer.
Podemos concluir que:
1) Todas as orações são ouvidas, mas nem todas as respostas são dadas na forma que nós desejamos. O silêncio também é uma forma de resposta e deve nos levar à reflexão sobre suas motivações.
2) O silêncio de Deus aos nossos pedidos pode ser decorrente da desnecessidade de sua intervenção, posto que a solução para o problema já está em nosso alcance, bastando que nós façamos aquilo que podemos fazer. Há necessidades que nós mesmos podemos atender. E “Deus não faz aquilo que nós podemos fazer”.
3) O silêncio de Deus pode ser por conta de pecados em nossa vida, os quais impedem que Ele nos ouça e responda às nossas orações. Esses pecados precisam ser resolvidos antes de qualquer outra coisa, para que nossas orações não sofram solução de continuidade.
4) O silêncio de Deus pode ser em função de que os nossos pedidos visem apenas a satisfação de nossos deleites e prazeres, não havendo uma real necessidade como fundamentação para o pleito. Ainda que toda dádiva de Deus, além de atender às nossas necessidades, também nos proporcionará deleite e prazer, esses não podem ser os fundamentos para os nossos pedidos. A fundamentação deve ser apenas a real necessidade. Buscai primeiro o reino de Deus e todas as demais coisas vos serão acrescentadas. Cf. Mateus 6:33.
Essa é a reflexão.
Deus é um Pai amoroso e quer o melhor para os seus filhos. Mas Ele é trabalhador e deseja que também sejamos trabalhadores. Nós estamos no mundo trabalhando para a causa de Deus. Ele não nos salvou apenas para que possamos nos deleitar com as alegrias de saber que iremos morar no céu, em uma daquelas moradas que Jesus foi preparar para nós. Ele nos salvou para que sejamos seus trabalhadores nesse mundo, no cumprimento da missão maior de levar a paz e a salvação de Deus a todos os homens. O desejo dele é que todos cheguem ao arrependimento e sejam salvos.
Desse modo, que cada um de nós administre os seus talentos, o seu tempo, os seus dons e trabalhe com suas próprias mãos enquanto é dia, para não ser pesado para ninguém e para provar a quem quer que seja quem é o nosso Deus e o nosso Pai.
Em nossa jornada pela vida, enfrentaremos muitos obstáculos. Dentre eles, alguns nos parecerão intransponíveis. E então, para essas horas, nós poderemos contar com o auxílio da oração peticionaria a Deus. Pediremos e Ele nos ouvirá e responderá às nossas orações.
As necessidades a serem levadas a Deus em oração são aquelas que Ele ainda não nos revelou a solução e ainda não nos deu os meios para resolvê-las. Mas ao resolvê-las a máxima de que “para Deus não existe nada impossível” também se cumpre. Cf. Lucas 1:37.
Que Deus nos abençoe e nos dê a sabedoria do discernimento, bem como a força e a coragem para trabalhar e fazer aquilo para o que fomos chamados a fazer. Amém.
Prof Izaias Resplandes
Enviado por Prof Izaias Resplandes em 11/04/2015